segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Fernando, parte 1

Novo texto, sem enrolação de novo! Aproveitem, esta história será divida em partes. Pelo planejamento 2 partes. Abraços!

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Fernando era um menino de corpo rechonchudo pra sua idade, isso acaba o tornando um pouco mais forte que as outras crianças de sua turma na escola. Sua insegurança quanto ao seu corpo e possivelmente outros problemas o levou a tentar elevar sua estima e valor frente a turma do modo mais simples que pode pensar: brigando, zoando e desmerecendo.

Ele ia em cima especialmente dos garotos mais quietos e franzinos. Eram mais fáceis de serem alvo de pancadas, um ato sábio, se for levar em conta sua chance de sucesso e evitar que fracassasse, o que causaria um dano ao seu ego e estima. Com isso, Fernando passou paralelamente a detestar estudar, afinal estes garotos mais quietos e franzinos normalmente eram aqueles que faziam uso de sua maior força: a mente. O jovem robusto não tolerava que aqueles que eram suas presas fossem melhor do que ele de forma alguma! Ele foi ensinado a sempre esmagar aqueles que forem seus inimigos. Bom, ao menos foi isso que ele tinha entendido.

Por consequência, suas notas diminuíram e sua fama na escola de garoto encrenqueiro só aumentou, mais e mais, ao ponto dos seus pais serem chamados para conversarem sobre seu comportamento ruim.

Mas seus pais nunca iam.

Porém, de certa forma, Fernando passou a ficar um pouco mais calmo, e tímido também. O engraçado é que mesmo ainda no fim do outono e ainda nem tão frio passou a usar roupas mais longas, boas pra este clima. Quando perguntavam a ele, se fossem seus colegas respondia rispidamente “não enche, se não te encho de porrada” ou “vai cuidar da tua vida, zé ruela”. Aos professores dizia simplesmente que sentia frio e que gostava daquelas roupas. Não o viam suando ou morrendo de calor, por isso não davam muita importância, afinal, até mesmo que chamassem seus pais de nada adiantaria, já haviam feito isso para nenhum resultado.

Contudo, por mais que estivesse mais quieto, mais calmo, suas notas não melhoravam. Ele ainda desgostava do estudo. E pior, se ao menos antes socar os mais fracos era sua felicidade, agora ele parecia sempre estar com uma das três expressões: raiva, tristeza, abatimento. E nenhuma delas é boa pra um jovem. Ainda mais que ele estava começando a entrar na puberdade, num dos momentos mais importantes para formação de caráter, integridade e personalidade de uma pessoa.

Então, um professor de geografia percebeu o quão abatido ele estava, sem falar nas suas notas horrendas e dos erros abissais que ele cometia, como por exemplo afirmar que a capital do seu estado era outra cidade. Decidido a compreender melhor o que se passava na cabeça desse menino, o professor chamou-o pra conversar ao final de uma aula. Emburrado, carrancudo e desconfiado, Fernando foi. Ao chegar na sala de orientação, foi convidado a se sentar de frente para o mestre. 

Olhando nos seus olhos o professor começou a fazer perguntas que Fernando julgou tolas e sem importância. Trivialidades. Isso é,  segundo o julgamento que ele tinha pensado num primeiro momento, pois algo parecia fazer sentido para o professor. E conforme as perguntas pareciam fazer mais sentido, elas ficavam complicadas.

Passaram a falar dos seus pais.

Foi então que Fernando disse que morava apenas com a mãe. O pai ele via de vez em quando – na prisão – durante visitas. Sua mãe só tinha a ele e a uma irmã mais velha dois anos. Ela era ainda uma mãe jovem, trabalhava num emprego simples, mas cansativo, chegava exausta em casa e tinha que dar atenção a sua filha e seu filho. O estresse fluía entre as pessoas que moravam ali como água de rio, ia de um para outro, e desembocava no mar – a escola –. Sua mãe lhe ensinava a nunca ser passado pra trás, a nunca confiar demais em alguém e nem a ser pego quando fazia besteiras, para não acabar como o (traste do) pai. Suas vidas eram difíceis, o governo com programas sociais aliviava um pouco as coisas, mas a mãe sempre lhe dizia que isso só tornava maior a obrigação para ele estudar, para que ao menos ele não tivesse que recorrer aos mesmos “ofícios” do pai.

Ao contar tudo isso Fernando ficou impressionado como ele mesmo se sentiu aliviado e amedrontado de ter se aberto para uma pessoa que ele via no máximo duas vezes por semana, sendo que ele era apenas mais uma pessoa dentro da sala. E para sua surpresa maior ele não viu nos olhos do professor nem pena, nem vergonha e nem temor. Ele viu apenas um olhar de compreensão e de aceitação. Com esse mesmo olhar em sua face, o professor o chamou para caminhar pelo jardim da escola. Era um espaço grande onde ficava o jardim, porém o jardim em si era pequeno, tinha apenas três árvores e uma meia dúzia de moitas com flores. Era pequeno, mas bem cuidado dentro da medida do possível.

Chegando lá, o professor admirou o jardim e falou o seguinte para Fernando:

“Fernando, o que você vê aqui?”

Fernando olhou estranhando para o professor. Era uma pergunta meio boba e óbvia.
 
“Ora, árvores, algumas flores e esse banquinhos”

Continuando a olhar pro jardim ele indagou novamente:

“O que mais?”

O aluno pareceu incomodado com a segunda pergunta de seu instrutor. Respondeu um pouco impaciente:

“Uhm... Terra? Folhas? Bichos?”

Como se visse apenas o óbvio, o professor perguntou um pouco mais rápido:

“Certo, certo, mais o que?”

Nesse momento Fernando irritou-se. Ele não gostava de perguntas, aliás, o professor nos últimos vinte minutos só fez perguntas.

“O que te interessa, fessor, tá tudo tão na cara! Eu não preciso ficar apontando o que é o que nisso aqui. Nem ficar dizendo o que cê já sabe. Pô, tô de saco cheio de ficar só recebendo perguntas! E isso nem prova é!”

Surpreso pela sinceridade e afronta do aluno, o professor esboçou um sorriso, virou-se para Fernando, e disse:

“Não, isso não é uma prova, e realmente sei como é chato ficar apenas respondendo a questionamentos. Mas minha intenção ao te perguntar o que via aqui no jardim se resume a uma coisa simples: queria entender como você vê e compreende o mundo.”

Dessa vez, abaixando seu rosto ao nível dos olhos de seu aluno ele continuou:

“Ao perguntar o que você vê aqui nesse jardim eu compreendo o quanto você sabe sobre o que está aqui, o quanto você sabe sobre o Meio Ambiente.”

Impaciente, Fernando cortou.

“Sei, sei, aquele bagulho sobre o lugar em que vivemos, né?”

“Exato” aquiesceu o professor “mas minha intenção é outra. Amanhã eu vou pedir pra você sair da aula e vir conversar comigo de novo, na mesma sala. Se não puder amanhã, faremos isso no dia de nossa próxima aula.”

Fernando fez uma cara de desgosto. Aulas particulares era algo que ele definitivamente não queria. Mas mal sabia ele que não era exatamente esse tipo de aula que iria ter. A intenção do professor era outra.

Sua intenção simplesmente era oferecer mais do mundo a Fernando, inclusive para que ele pudesse sair do mundo que ele estava no momento.

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