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Fernando era um menino de corpo rechonchudo pra sua idade,
isso acaba o tornando um pouco mais forte que as outras crianças de sua turma
na escola. Sua insegurança quanto ao seu corpo e possivelmente outros problemas
o levou a tentar elevar sua estima e valor frente a turma do modo mais simples
que pode pensar: brigando, zoando e desmerecendo.
Ele ia em cima especialmente dos garotos mais quietos e
franzinos. Eram mais fáceis de serem alvo de pancadas, um ato sábio, se for
levar em conta sua chance de sucesso e evitar que fracassasse, o que causaria
um dano ao seu ego e estima. Com isso, Fernando passou paralelamente a detestar
estudar, afinal estes garotos mais quietos e franzinos normalmente eram aqueles
que faziam uso de sua maior força: a mente. O jovem robusto não tolerava que
aqueles que eram suas presas fossem melhor do que ele de forma alguma! Ele foi
ensinado a sempre esmagar aqueles que forem seus inimigos. Bom, ao menos foi
isso que ele tinha entendido.
Por consequência, suas notas diminuíram e sua fama na escola
de garoto encrenqueiro só aumentou, mais e mais, ao ponto dos seus pais serem
chamados para conversarem sobre seu comportamento ruim.
Mas seus pais nunca iam.
Porém, de certa forma, Fernando passou a ficar um pouco mais
calmo, e tímido também. O engraçado é que mesmo ainda no fim do outono e ainda
nem tão frio passou a usar roupas mais longas, boas pra este clima. Quando
perguntavam a ele, se fossem seus colegas respondia rispidamente “não enche, se
não te encho de porrada” ou “vai cuidar da tua vida, zé ruela”. Aos professores
dizia simplesmente que sentia frio e que gostava daquelas roupas. Não o viam
suando ou morrendo de calor, por isso não davam muita importância, afinal, até
mesmo que chamassem seus pais de nada adiantaria, já haviam feito isso para
nenhum resultado.
Contudo, por mais que estivesse mais quieto, mais calmo,
suas notas não melhoravam. Ele ainda desgostava do estudo. E pior, se ao menos
antes socar os mais fracos era sua felicidade, agora ele parecia sempre estar
com uma das três expressões: raiva, tristeza, abatimento. E nenhuma delas é boa
pra um jovem. Ainda mais que ele estava começando a entrar na puberdade, num
dos momentos mais importantes para formação de caráter, integridade e
personalidade de uma pessoa.
Então, um professor de geografia percebeu o quão abatido ele
estava, sem falar nas suas notas horrendas e dos erros abissais que ele
cometia, como por exemplo afirmar que a capital do seu estado era outra cidade.
Decidido a compreender melhor o que se passava na cabeça desse menino, o
professor chamou-o pra conversar ao final de uma aula. Emburrado, carrancudo e
desconfiado, Fernando foi. Ao chegar na sala de orientação, foi convidado a se
sentar de frente para o mestre.
Olhando nos seus olhos o professor começou a fazer
perguntas que Fernando julgou tolas e sem importância. Trivialidades. Isso
é, segundo o julgamento que ele tinha
pensado num primeiro momento, pois algo parecia fazer sentido para o professor.
E conforme as perguntas pareciam fazer mais sentido, elas ficavam complicadas.
Passaram a falar dos seus pais.
Foi então que Fernando disse que morava apenas com a mãe. O
pai ele via de vez em quando – na prisão – durante visitas. Sua mãe só tinha a
ele e a uma irmã mais velha dois anos. Ela era ainda uma mãe jovem, trabalhava
num emprego simples, mas cansativo, chegava exausta em casa e tinha que dar
atenção a sua filha e seu filho. O estresse fluía entre as pessoas que moravam
ali como água de rio, ia de um para outro, e desembocava no mar – a escola –.
Sua mãe lhe ensinava a nunca ser passado pra trás, a nunca confiar demais em
alguém e nem a ser pego quando fazia besteiras, para não acabar como o (traste
do) pai. Suas vidas eram difíceis, o governo com programas sociais aliviava um
pouco as coisas, mas a mãe sempre lhe dizia que isso só tornava maior a
obrigação para ele estudar, para que ao menos ele não tivesse que recorrer aos
mesmos “ofícios” do pai.
Ao contar tudo isso Fernando ficou impressionado como ele
mesmo se sentiu aliviado e amedrontado de ter se aberto para uma pessoa que ele
via no máximo duas vezes por semana, sendo que ele era apenas mais uma pessoa
dentro da sala. E para sua surpresa maior ele não viu nos olhos do professor
nem pena, nem vergonha e nem temor. Ele viu apenas um olhar de compreensão e de
aceitação. Com esse mesmo olhar em sua face, o professor o chamou para caminhar
pelo jardim da escola. Era um espaço grande onde ficava o jardim, porém o
jardim em si era pequeno, tinha apenas três árvores e uma meia dúzia de moitas
com flores. Era pequeno, mas bem cuidado dentro da medida do possível.
Chegando lá, o professor admirou o jardim e falou o seguinte
para Fernando:
“Fernando, o que você vê aqui?”
Fernando olhou estranhando para o professor. Era uma pergunta
meio boba e óbvia.
“Ora, árvores, algumas flores e esse banquinhos”
Continuando a olhar pro jardim ele indagou novamente:
“O que mais?”
O aluno pareceu incomodado com a segunda pergunta de seu
instrutor. Respondeu um pouco impaciente:
“Uhm... Terra? Folhas? Bichos?”
Como se visse apenas o óbvio, o professor perguntou um pouco
mais rápido:
“Certo, certo, mais o que?”
Nesse momento Fernando irritou-se. Ele não gostava de
perguntas, aliás, o professor nos últimos vinte minutos só fez perguntas.
“O que te interessa, fessor, tá tudo tão na cara! Eu não
preciso ficar apontando o que é o que nisso aqui. Nem ficar dizendo o que cê já
sabe. Pô, tô de saco cheio de ficar só recebendo perguntas! E isso nem prova
é!”
Surpreso pela sinceridade e afronta do aluno, o professor
esboçou um sorriso, virou-se para Fernando, e disse:
“Não, isso não é uma prova, e realmente sei como é chato
ficar apenas respondendo a questionamentos. Mas minha intenção ao te perguntar
o que via aqui no jardim se resume a uma coisa simples: queria entender como
você vê e compreende o mundo.”
Dessa vez, abaixando seu rosto ao nível dos olhos de seu
aluno ele continuou:
“Ao perguntar o que você vê aqui nesse jardim eu compreendo
o quanto você sabe sobre o que está aqui, o quanto você sabe sobre o Meio
Ambiente.”
Impaciente, Fernando cortou.
“Sei, sei, aquele bagulho sobre o lugar em que vivemos, né?”
“Exato” aquiesceu o professor “mas minha intenção é outra.
Amanhã eu vou pedir pra você sair da aula e vir conversar comigo de novo, na
mesma sala. Se não puder amanhã, faremos isso no dia de nossa próxima aula.”
Fernando fez uma cara de desgosto. Aulas particulares era
algo que ele definitivamente não queria. Mas mal sabia ele que não era exatamente
esse tipo de aula que iria ter. A intenção do professor era outra.
Sua intenção simplesmente era oferecer mais do mundo a
Fernando, inclusive para que ele pudesse sair do mundo que ele estava no
momento.